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quinta-feira, 21 de novembro de 2019

AGRICULTURA: TRABALHANDO COM O AMBIENTE. APRENDENDO COM OS MURUNDUS.


CASA DE CUPIM Experiências
Diego Miguel Carioca de Paula (Carioca, D.M.P.) 19/10/2016
(Biólogo/ Bioconstrutor/ Técnico Agrícola)
NEPBio – Núcleo Experimental de Permacultura e Bioconstrução Três Biomas.

Agricultura: Trabalhando COM o ambiente. Aprendendo com os murundus.

O processo de transformar áreas degradadas e solos empobrecidos em jardins férteis e florestas ricas em biodiversidade permanentemente, com eficiência e baixo custo, exigem muito mais que correções de ph e aplicação de insumos. Aprendemos que não há maneira melhor de consegui-lo senão trabalhando junto com os processos ecológicos e variações estacionais da área e assim, observar, aprender e elaborar o melhor design para se encaixar na engrenagem que gera a vida em toda a sua abundância.
Inicialmente, quando o projeto Casa de Cupim foi implantado, e literalmente, nós fomos semeados na propriedade como novos integrantes desse ambiente (onde atualmente funciona o NEPBio/Pantanal) houve a  necessidade de colocar em prática todo o conhecimento, que tínhamos até então sobre agricultura, neste caso a convencional, para que pudéssemos conseguir prover parte de nossa alimentação no local.

Neste caso, o foco foi a construção de uma grande horta em forma de mandala. Trabalhamos então sobre princípios básicos de manejo de solo e aproveitando ao máximo os insumos do terreno, tais como esterco e material vegetal em decomposição (palhada, troncos, serrapilheira), fontes básicas de nutrientes para as plantas.
Desta forma conseguimos um resultado inimaginável, as terras que antes eram julgadas inférteis, pelos moradores locais, agora floresciam com quiabos, rabanetes, couve, alface, feijões, cenouras, ervas finas, abóbora e muito mais.








A ilha da Casa de Cupim

No entanto, dentro de todo esse trabalho que durou mais ou menos 5 meses para a elaboração do desenho, construção da mandala e estabelecimento das culturas, com irrigação e etc.,  não avaliamos um fator primordial para nossa região, que é um ecótono entre Pantanal, Cerrado e Amazônia.



Especificamente onde o pantanal é predominante existe um fenômeno essencial para o enriquecimento e manutenção desse ecossistema, o denominado Pulso de Inundação, que ocorre nos períodos mais chuvosos do ano, o verão, estas são as chamadas, cheias. Logo, como o pantanal é uma planície, esse evento natural altera toda a vida no entorno dos cursos d’agua, dessa forma não haveria melhor nome para caracterizar a fitofissionomia de savana, onde o NEPBio esta localizado, como Cerrado Alagável.
A estação das chuvas começou e descobrimos porque essa savana leva esse nome, um fator tão grande e tão importante, mas que não havíamos levado em consideração no inicio. Assim, da mesma forma que a água trouxe todos aqueles nutrientes que usamos para construir os canteiros ela transformou as plantas não adaptadas, neste caso todas as verduras que havíamos plantado, também em nutrientes.
Essa experiência foi absolutamente fantástica, pois nos ensinou muito a respeito dos ciclos do local, e como o ambiente muda drasticamente no decorrer do ano, seca extrema no outono e inverno (queimadas, terra rachada, sol intenso) e as chuvas fortes na primavera e verão (água por toda parte).
Enquanto a inundação subia e descia, durante semanas, tivemos bastante tempo para observar o entorno e como a vegetação dribla esse evento para sobreviver. Observamos então dois pontos fundamentais, o primeiro é que toda a planície que sofre inundação é coberta principalmente por capim (Plantas da família poaceae, as gramíneas) nesse caso o capim Andropogon sp., que por sua vez compreendem espécies indicadoras de solos ácidos e áreas que sofrem inundações passageiras.
O segundo ponto foi que toda a vegetação de grande porte, arbóreas, arbustos, lianas (cipós) e algumas ervas crescem sobre pequenos montes de terra, os chamados murundus (criados a partir de cupinzeiros, húmus de minhoca e matéria orgânica acumulada). Estes possuem os mais diversos tamanhos, são ilhas naturais de biodiversidade nesses campos alagáveis. As plantas que se desenvolvem sobre os murundus suportam a enchente e ainda retém a matéria orgânica trazida pela água, enriquecendo o solo.
A partir desses pontos, chegamos à conclusão de que se quisermos produzir alimentos sem altos custos, utilizando os processos naturais para tornar a área mais produtiva e abundante devemos nos inspirar do design da vegetação local, construindo e plantando sobre murundus. A partir desse principio passamos a construir nossos próprios murundus, aproveitando as poucas curvas de nível, de parte da propriedade, e criando corredores entre eles para que a água nos períodos de inundação pudesse fluir e depositar os nutrientes que ela carrega. Assim, só era necessário que déssemos o pontapé inicial, fazer a manutenção do sistema e deixar a natureza seguir seu curso.
Desta maneira iniciamos o processo de recuperação da área cujas queimadas e degradação sofridas, antes que chegássemos aqui, haviam diminuído sua produtividade e abundância. Com base nos princípios da agricultura sintrópica, estamos no inicio da introdução do sistema de sucessão, onde várias espécies se desenvolvem em conjunto para preparar o ambiente e melhorar o solo umas para as outras.
A mudança realmente foi radical, o solo esta ficando mais fértil, animais e insetos estão mais presentes e espécies vegetais de grande porte estão começando a se desenvolver por sementes que já estavam no solo somente esperando condições favoráveis, e a inundação que no inicio era considerada um “inimigo”, transtorno ou dificuldade, se tornou um grande aliado.
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Preparando murundus.

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