O processo de transformar
áreas degradadas e solos empobrecidos em jardins férteis e florestas ricas em
biodiversidade permanentemente, com eficiência e baixo custo, exigem muito mais
que correções de ph e aplicação de insumos. Aprendemos que não há maneira
melhor de consegui-lo senão trabalhando junto com os processos ecológicos locais
e assim, observar, aprender e elaborar o melhor design para se encaixar na engrenagem que gera a vida em toda a sua
abundância.
Inicialmente, quando o
projeto Casa de Cupim foi implantado,
e literalmente, nós fomos semeados na propriedade (onde atualmente funciona o
NEPBio), houve a necessidade de colocar
em prática todo o conhecimento, que tínhamos até então sobre agricultura, neste
caso a convencional, para que pudéssemos conseguir prover parte de nossa
alimentação no local.
Neste caso, o foco foi a
construção de uma grande horta em forma de mandala. Trabalhamos então sobre
princípios básicos de manejo de solo e aproveitando ao máximo os insumos do
terreno, tais como esterco e material vegetal em decomposição (palhada, troncos
e serrapilheira), fontes básicas de nutrientes para as plantas.
Desta forma conseguimos
um resultado inimaginável, as terras que antes eram julgadas inférteis, pelos
moradores locais, agora floresciam com quiabos, rabanetes, couve, alface,
feijões, cenouras, ervas finas, abóbora e muito mais.
No entanto, dentro de
todo esse trabalho que durou mais ou menos 5 meses, para a elaboração do
desenho, construção da mandala e estabelecimento das culturas, com irrigação e
etc., não avaliamos um fator primordial
para nossa região, que é uma área de transição (ecótono) entre os biomas
Pantanal, Cerrado e Amazônia.
Especificamente onde o
pantanal é predominante existe um fenômeno essencial para o enriquecimento e
manutenção desse ecossistema, o denominado Pulso de Inundação, que ocorre nos
períodos mais chuvosos do ano, o verão, é o processo denominado “cheia”. Logo,
como o pantanal é uma planície, esse evento natural altera toda a vida no
entorno dos cursos d’agua e dessa forma não haveria melhor nome para
caracterizar o tipo de vegetação local (fitofisionomia) onde o NEPBio esta
localizado, como Cerrado Alagável.
A estação das chuvas
começou e descobrimos porque essa savana leva esse nome, um fator tão grande e
tão importante, mas que não havíamos levado em consideração no inicio. Assim,
da mesma forma que a água trouxe todos aqueles nutrientes que usamos para
construir os canteiros ela transformou as plantas não adaptadas a esse processo,
neste caso todas as verduras que havíamos plantado, também em nutrientes,
deixando todas submersas, realmente perdemos toda a produção.
Essa experiência foi
absolutamente fantástica, pois nos ensinou muito a respeito dos ciclos do local,
e como o ambiente muda drasticamente no decorrer do ano, desde a seca extrema
no período de outono e inverno, com as queimadas, terra rachada e sol intenso, e
o período de chuvas na primavera e verão, neste caso água por toda parte.
As plantas que se
desenvolvem sobre os murundus suportam a enchente e ainda retém a matéria
orgânica trazida pela água contribuindo para o enriquecimento do solo.
A partir desses pontos,
chegamos à conclusão de que se quisermos produzir alimentos sem altos custos,
utilizando os processos naturais para tornar a área mais produtiva e abundante,
devemos nos inspirar do design da vegetação local, construindo e plantando
sobre murundus. A partir desse principio passamos a construir nossos próprios
murundus, aproveitando as poucas e leves curvas de nível em parte da
propriedade e criando corredores entre eles para que a água nos períodos de
inundação pudesse fluir e depositar os nutrientes que ela carrega. Assim, só
era necessário que déssemos o pontapé inicial, fazer a manutenção do sistema e
deixar a natureza seguir seu curso.
Desta maneira iniciamos o
processo de recuperação da área cujas queimadas e degradação sofridas, antes
que chegássemos aqui, haviam diminuído sua produtividade e abundância. Com base
nos princípios da agricultura sintrópica, estamos no inicio da introdução do
sistema de sucessão, onde várias espécies se desenvolvem em conjunto para
preparar o ambiente e melhorar o solo umas para as outras.
A mudança realmente foi
radical, o solo esta ficando mais fértil, animais e insetos estão mais
presentes e espécies vegetais de grande porte estão começando a se desenvolver
por sementes que já estavam no solo somente esperando condições favoráveis, e a
inundação que no inicio era considerada um “inimigo”, transtorno ou
dificuldade, se tornou um grande aliado.
Diego Miguel Carioca de Paula (Carioca, D.M.P.)
19/10/2016
(Biólogo/ Bioconstrutor/ Técnico Agrícola)
NEPBio –
Núcleo Experimental de Permacultura e Bioconstrução Três Biomas.
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